A estreia do mais recente espetáculo de dança da Cia de Dança do Teatro Alberto Maranhão, Rio Cor de Rosa, ocorreu no dia 13 de maio, no Barracão dos Clowns de Shakespeare e já inspirou o diretor teatral, Francis Wilker, em estada na cidade a escrever um belíssimo texto sobre o trabalho realizado pelos bailarinos da Edtam. Rio Cor de Rosa teve duas apresentações em maio. A segunda foi no Teatro Alberto Maranhão, no dia 19.
Em junho, ele volta em temporada mais longa nos dias 10, 11 e 12 na Casa da Ribeira, às 20h; nos dias 16 e 17 no Teatro Alberto Maranhão, no mesmo horário e, nos dias 25 e 26, no Barração dos Clowns de Shakespeare, às 20h. Em todos os locais, os ingressos estarão à venda ao preço de R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Nas palavras de Clébio Oliveira, Rio Cor de Rosa é concebido a partir da matéria dos sonhos, de maneira a se pensar nesse estágio psíquico humano como um exercício para enfrentar a realidade. "O sonho tem, para Freud, a função de extravasar desejos reprimidos no inconsciente, através da mistura de reminiscência do que foi experimentado conscientemente, fragmentos de memórias, e daquilo que foi recalcado, criando uma linguagem cifrada, simbólica, onde nada é exatamente o que parece, onde tudo está atrelado, remetendo a um outro significado obscuro e misterioso. Os desejos recalcados não se revelam diretamente, são mediados por uma construção simbólica. Tudo ao contrário ou distorcido como um espelho. Não um espelho que revela a face, o que está fora, mas o que está dentro e que não pode ser visto diretamente. O proibido, o recalcado – essa é a matéria do sonho por excelência. Por outro lado a abordagem neurológica. O corpo em toda a sua plenitude e materialidade. Não o que está dentro, não o subjetivo, mas todo o conjunto de ossos, vísceras e músculos recobertos por epitélio. Por debaixo da pele, só química, emoções, pensamentos, lembranças.
Ficha técnica
Direção:Wanie Rose
Concepção e direção coreográfica: Clébio Oliveira
Dramaturgia: Clébio Oliveira e Daniela Fusaro
Criação: Andréia Melo, Clébio Oliveira, Charles Damásio, Juarez moniz,
Lidiane Soares, Margoth Lima, Natália negreira, Sílvia Rodrigues,
Tatyelli Raulino e Tházio Menezes
Lidiane Soares, Margoth Lima, Natália negreira, Sílvia Rodrigues,
Tatyelli Raulino e Tházio Menezes
Assistência Coreográfica:Lidiane Soares
Intérpretes:Agnês Rodrigues,Charles Damásio,Gabriela Gorges,Juarez Moniz,Lidiane Soares,Margoth Lima,Natália Negreiros,Tatyelli Raulino e Tházio Menezes.
Figurinos: Loris Hass/ Iluminação: Ronaldo Costa
Músicas: Wim Mertens(Iris), Terje Isungeset(London),Antony and The Johnons( Hope Theres´s someone),Electric President(explanation),Glen Hansard e Marketa Iglova(If you want me)
Veja artigo crítico sobre o espetáculo, assinado por Francis Wilker, diretor do Grupo de Teatro do Concreto de Brasília (DF):
Quando tudo explode num corpo contido
Quando criança fui ensinado que cor de rosa era “cor de menina”, cresci olhando meio desconfiado para a tal tonalidade, achando bonito e sem poder usar ou dizer. Uma cor que estaria sempre associada a uma “coisa fofa”, um ursinho de pelúcia, o algodão doce, algo assim...carinhoso, delicado.
Foi essa a primeira significação que me ocorreu olhando o título do espetáculo da CIA de Dança do Teatro Alberto Maranhão. Começaria aqui o exercício de vasculhar aquilo que, de alguma forma, marcou esse “corpo-memória”. Entrar em contato com uma obra de arte é sempre encontrar formas de se relacionar com ela, ainda que não intencionais. E o meu “Rio Cor de Rosa” – aquele que brotou e correu da minha relação com o rio da CIA – não foi delicado e carinhoso e talvez não tenha sido também sonho, se penso no significado mais comum dessa palavra.
Diante de mim um espaço vazio e corpos que pareciam dançar vidas esvaziadas de sentido. Ironicamente num linóleo rosa. Intérpretes jovens, amadurecendo suas técnicas, mas, assegurando uma entrega capaz de realizar a precariedade de estar vivo. A precariedade do nosso tempo tão “evoluído”. Parecia que nada externo seria capaz de fazer mover daquela maneira. Tudo explode num corpo contido. Era assim que eu sentia, um corpo a todo instante bombardeado por dentro, dos seus sótãos, banheiros, quartos e porões. Trôpego. Diante deles, talvez Hamlet dissesse: o resto é desequilíbrio.
O som alto me incomodava. Lembrei das vezes que coloco a música bem alta pra não ouvir tudo que em mim grita. Os bailarinos falavam insistentemente. Pouco se ouvia. Talvez falassem pra si próprios. Um mundo que não se escuta. Não havia ali comunicação possível.
Ao reconhecer na trilha trecho da música usada no belíssimo filme “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, era difícil não ler naquelas imagens – vivas - pedaços de um tempo que corre, cada vez mais, em busca de poder, sucesso, dinheiro. Um tempo controlado, cheio de padrões, cobranças e metas a cumprir. Vidas sozinhas em público. Ilhas repletas de solidão. Um mundo onde reina a primeira pessoa do singular. Já nem a masturbação era prazerosa: gesto puramente artificial, solitário e asséptico.
Repetidamente andar para trás. Uma volta. Duas voltas. Muitas voltas. Voltar para onde? Fiquei tentando encontrar o que um dia eu fui. Lentamente tentar devolver a vida objetos daquele outro tempo em que eu não precisava ser grande e nem provar nada a ninguém. Durou pouco, atrás da bailarina que tirava ursinhos de pelúcia de um saco, estava outra, perdidos cacos de infância recolhidos.
Ainda veria ali aquela cadeira que se completa com uma mesa e um computador na frente, ainda que eles não estivessem ali. Aquele objeto de sentar que carrega a idéia de trabalho. Ela gira, gira. O tempo passa enquanto giro em volta dela ou dele – o trabalho. Paradoxalmente a “máquina” que eu comando e que me consome.
Antes da luz da platéia acender – em meio ao redemoinho de imagens que corriam em mim - penso como é bom poder ver um trabalho que valoriza o processo de criação, a pesquisa, a busca por rigor técnico, ver jovens artistas com tamanha sede, dispostos ao risco, ao tropeço, a desmedida. Talvez seja essa a busca da arte de nosso tempo. Uma arte que nos faça lidar com o precário e contraditório que há em nós. Que nos tire da artificialidade, da aparência cuidada, do disfarce, do “mais do mesmo”. Arte viva, que acorda em nós a capacidade do encanto e do espanto diante de uma sociedade que, talvez, esteja nos dizendo: me belisca pra ver se ainda sou capaz de sentir!
Definitivamente aquilo não era um sonho, de um sonho acordamos. Ali, como última imagem tinha uma mulher rodeada e sufocada de opressão - ordens violentamente gritadas em inventadas línguas – Ela mergulha na escuridão até o sumir das tiranas vozes. Talvez, somente agora, aquela mulher esteja sonhando, para resistir à realidade!
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